ATENÇÃO alunos do Profº JEFFERSON !!!!
A partir desta data, 11 de Junho de 2013, estaremos nos comunicando através de um BLOG próprio da disciplina de FORMAÇÃO PARA O TRABALHO e, consequentemente, não mais utilizaremos esse blog (linguaportuguesapb.blogspot.com.br), que até essa data foi de enorme contribuição.
Utilizaremos o novo blog, como meio de comunicação para repassar todos os conteúdos de nossas aulas, bem como para quaisquer outras necessidades referentes às nossas atividades em sala de aula.
Anotem o novo BLOG:
FORMACAOPARAOTRABALHO.BLOGSPOT.COM.BR
Fácil, não !!!!!!
Aguardo todos vocês para dinamizarmos essa nova ferramenta de estudo !!!!!
Atenciosamente,
Professor Jefferson Jorge.
"Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta. Irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento. Atravesso noites e dias no vento. Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, — não sei, não sei. Não sei se fico ou passo. Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno a asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo: — mais nada." (Cecília Meireles)
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terça-feira, 11 de junho de 2013
quinta-feira, 2 de maio de 2013
Conto V - Exercícios
Notícias
Artur Oscar Lopes
Correio do Povo 27/09/73
Informações
Maria Joana Knijnick, solteira,
procura pessoa do sexo oposto para fim de casamento. O interessado deve ser
pessoa sensível, que goste de ouvir música, seja alegre, que goste de passear
domingo de manhã, que goste de pescar, que goste de passear na relva úmida da
manhã, que seja carinhoso, que sussurre aos meus ouvidos que me ama, que tenha
bom humor, mas que também saiba chorar. Que saiba escutar o canto dos pássaros,
que não se importe de dormir ao relento numa noite de lua, que saiba caminhar
nas estrelas, que goste de tomar banho de chuva, que sonhe acordado e que goste
muito do azul do céu. Prefere-se pessoa que saiba escutar os segredos de um
riacho e que não ligue aos marulhos do mar; que goste de bife com arroz e
feijão, mas que prefira peru com maçã, dá-se preferência a pessoas de pés
quentes, que gostem de andar de barco, que gostem de amar e que não puxem as
cobertas de noite. Não se exige que seja rico, de boa aparência, que entenda
Kafka ou saiba consertar eletrodomésticos mas exige-se principalmente que goste
de oferecer flores de vez em quando.
End.: - Rua da Esperança, 43
End.: - Rua da Esperança, 43
Correio do Povo 02/10/73
Informações
Maria Joana Knijnick, solteira, procura pessoa do sexo oposto para fim de casamento. O interessado deverá ser pessoa sensível e que tenha o hábito de oferecer flores.
End.: - Rua da Esperança, 43
Correio do Povo 10/10/73
Informações
Maria Joana Knijnick procura
pessoa que a ame e goste de oferecer flores de vez em quando.
End.: Rua da Esperança, 43
End.: Rua da Esperança, 43
Correio do Povo 20/10/73
Informações
Maria Joana Knijnick pede que qualquer
pessoa goste dela e suplica que lhe mande flores.
Correio do Povo 14/11/73
Informações
A família da sempre lembrada Maria
Joana Knijnick comunica o trágico desaparecimento daquele ente querido e
convida os amigos para o ato de sepultamento. Pede-se não enviar flores.
- A
história que você acabou de ler é um conto, que se apresenta dividido em
cinco partes. Ele tem uma estrutura diferente dos contos tradicionais,
pois se apropria da estrutura de outros gêneros textuais.
- Que gênero é utilizado nas quatro primeiras
partes do texto?
- Que características especificas desse gênero
estão presentes nessas partes do conto?
- Observe a última parte do conto e responda:
Qual é o gênero textual a que essa parte se assemelha?
- Cada
parte do conto tem relação com um momento especifico. De que forma é
marcada a passagem do tempo?
- Compare
a primeira frase as demais frases da primeira parte do conto.
- De que modo Maria Joana anuncia sua intenção
na primeira frase?
- De que tipo de características esperadas no
objeto procurado e em que tipo de linguagem elas estão expressas?
- A
primeira parte do texto é mais longa do que as outras, e as
características esperadas na pessoa procurada são muitas.
- Por que as partes seguintes vão se tornando
cada vez mais sintéticas?
- O que a sucessão dos textos revela quanto ao
estado emocional da personagem?
- O
comunicado final da família fala em “trágico desaparecimento”.
- O que é possível deduzir do uso desse
adjetivo?
- Dê uma interpretação coerente à última frase
do conto.
Conto IV - Exercícios
O carneirinho do presépio
José Faria Nunes
O menino observa as pessoas que saem e volta-se para o presépio.
Examina-o com interesse. Na missa ouviu que o reino dos céus é das crianças.
Tempestade mental. Se é das crianças o céu e viver no céu é ser feliz,
então a felicidade é das crianças.
Olha o presépio. O boi. O carneirinho. Os astrônomos que foram chamados
reis — os reis magos. A estrela. Tudo bonito. Tudo. Enamora-se. Bem que queria
um desses. O carneirinho. Só o carneirinho. O Menino Jesus, esse não. Tem que
ficar no presépio. Presépio sem Menino Jesus não é presépio. O carneirinho,
esse sim. Há outros no presépio. Não tivera Natal em casa. Nunca. Não conhece
Papai Noel. “Será que Papai Noel me conhece? Sabe de minha existência?”
Na sua frente, o carneirinho cresce, apequena, atrai. Por que o padre
falou que o céu é das crianças?
Não ganhou brinquedo e quer o carneirinho. Será pecado? O que é pecado?
Para que pecado? Se é verdade que Deus ama a gente, por que ele deixou a cobra
dar a maçã para Eva e Eva para Adão para depois todo mundo ter pecado?
Ele quer o carneirinho. Todos já se foram. Ninguém vê. O Cristo,
crucificado, parece dormir de cansaço e de dor na cruz, na parede, lá atrás do
altar. Parece não se importar com nada ali na igreja. Coitadinho de Cristo.
Sofreu muito. Mas por que, se ele é Deus? Ou ele é apenas o Filho de Deus? Se é
filho não é pai e se Deus é pai não é filho?!
Coitadinho de Cristo! O padre falou que Cristo sofreu para o perdão dos
pecados. Não sei não. Acho que Cristo não sofreu por mim não. Papai Noel não me
conhece. Será que Cristo me conhece?!
Esfrega as mãos, nervoso. A decisão. Ergue o braço, mas o gesto fica
suspenso no ar com a chegada do vigário que vem fechar a igreja. Para disfarçar
a intenção, limpa com o dedinho o espelho que forma o lago nas proximidades da
gruta de Belém. Por que presépio em forma de gruta? Cristo nasceu não foi num
ranchinho, na estrebaria, casa de animais?
— O Sinhore vai fechá a igreja? — Pergunta ao padre que fecha a primeira
porta.
— Estou fechando — Responde o padre, em seu sotaque de estrangeiro, não
com aquele carinho com que falou na missa da meia-noite.
— O presepe tá bunito, né? — insiste o menino, tentando coragem para
pedir o carneirinho.
— Você acha? — o padre fala indiferente e o menino entende que o vigário
não está interessado naquele diálogo, quase monólogo.
— Acho — termina o menino, desconcertado, infeliz. Percebe que de nada
adiantará insistir. Não vai ganhar o presente.
Absorto nos sonhos, fica a olhar o presépio sem nada ver.
“Como eu queria um carneirinho desse!”
E o vigário o acorda para a realidade:
— Vamos embora, dormir?
— Vamo.
Volta-se e ainda dirige um último olhar para o carneirinho do presépio,
um ente querido que talvez jamais voltará a ver. O padre fecha a última porta e
se vai.
O menino, agora com medo, corre debaixo da madrugada em direção ao
aconchego que o espera debaixo da ponte, onde se juntará aos pais e aos cinco
irmãos menores. Dormem. Não veem a fome, não sentem nenhum desejo. Enquanto
dormem, os sentidos nada reclamam. Ele sonha com o presente de Natal que não
ganhou: o carneirinho do presépio.
- O
texto acima é um conto. O conto pertence ao gênero dos gêneros narrativos
ficcionais. Os textos narrativos apresentam alguns elementos em comum,
como fatos, personagens, tempo, espaço, narrador. No conto lido:
- Quais são as personagens envolvidas na
história?
- Onde acontece os fatos narrados?
- No conto, os fatos são narrados em sequência
temporal e mantem entre si relação de causa e efeito. Por exemplo: o
menino decide pegar o carneirinho, mas, quando ergue o braço para pega-lo
o padre entra. O menino, então, disfarça, limpando como dedo o espelho
que forma o lago do presépio. Cite outros fatos do texto dispostos em
sequência temporal e ligados a uma relação de causa e efeito.
- Em que época acontecem os fatos narrados? Em
que lugar?
- No
conto em estudo, os fatos narrados são vividos pelo menino e pelo padre.
- Levante hipóteses: por que essas pessoas não
tem nome?
- As personagens podem ser caracterizadas
física e psicologicamente. Como é o menino? E o padre?
- Releia
os três primeiros parágrafos do texto e responda: Em que trecho a
narrativa começa a criar expectativa para o leitor?
- O
menino quer o carneirinho do presépio e pensa no que ouviu na missa
- Por que ele não quer o Menino Jesus?
- Que tipo de discurso o narrador emprega para
apresentar o pensamento do menino?
- Qual é o momento de maior tensão no texto?
- O
conto em estudo narra uma história que pode ser real e vivida por muitas
crianças que desejam algo, mas não o tem. Na sua opinião, o menino do
conto teria cometido um crime se furtasse o carneirinho do presépio?
Justifique sua resposta.
sábado, 23 de março de 2013
Gírias?!
Oi, turma
Vamos nos divertir um pouco com o conteúdo do Capítulo 12 de nosso livro: Linguagem e Variação Lingüística.
Afinal o que são gírias?!
Vamos nos divertir um pouco com o conteúdo do Capítulo 12 de nosso livro: Linguagem e Variação Lingüística.
Afinal o que são gírias?!
sexta-feira, 22 de março de 2013
Concordância & Regência I
Oi, turmas
Nosso próximo desafio já está pronto.
Todos os alunos devem trazer e expor em sala textos informativos e fotos de
placas nas ruas (pelo menos um por aluno) em que haja erro de concordância e/ou regência. Vocês podem fotografar com o celular/ máquina, o importante é que imprimam e levam para a sala no dia planejado.
Mãos à obra!!!
Vejam alguns exemplos:
Conto II - Exercício
ORIENTAÇÕES:
- A turma se dividirá em 5 grupos.
- Cada grupo deverá fazer as questões indicadas.
- grupo 1 (questão 2)
- grupo 2 (questões 1 e 3)
- grupo 3 (questões 4, 5 e 6)
- grupo 4 (questão 7)
- grupo 5 (questões 1 a 4 do vídeo)
- Os grupos apresentaram, oralmente, suas repostas uns aos outros.
- a atividade será considerada finalizada quando a professora receber o email com todas as respostas, individualmente.
Venha ver o por do sol
Lygia Fagundes Telles (em Venha ver o por do sol e outros contos)
ELA
SUBIU sem pressa a tortuosa ladeira. À medida que avançava, as casas iam
rareando, modestas casas espalhadas sem simetria e ilhadas em terrenos baldios.
No meio da rua sem calçamento, coberta aqui e ali por um mato rasteiro, algumas
crianças brincavam de roda. A débil cantiga infantil era a única nota viva na
quietude da tarde.
Ele
a esperava encostado a uma árvore. Esguio e magro, metido num largo blusão
azul-marinho, cabelos crescidos e desalinhados, tinham um jeito jovial de
estudante.
- Minha querida Raquel.
Ela encarou-o, séria. E olhou para os próprios sapatos.
- Vejam que lama. Só mesmo você inventaria um encontro num lugar destes. Que idéia, Ricardo, que idéia! Tive que descer do taxi lá longe, jamais ele chegaria aqui em cima.
- Minha querida Raquel.
Ela encarou-o, séria. E olhou para os próprios sapatos.
- Vejam que lama. Só mesmo você inventaria um encontro num lugar destes. Que idéia, Ricardo, que idéia! Tive que descer do taxi lá longe, jamais ele chegaria aqui em cima.
Ele
sorriu entre malicioso e ingênuo.
- Jamais, não é? Pensei que viesse vestida esportivamente e agora me aparece nessa elegância…Quando você andava comigo, usava uns sapatões de sete-léguas, lembra?
- Foi para falar sobre isso que você me fez subir até aqui? – perguntou ela, guardando as luvas na bolsa. Tirou um cigarro. – Hem?!
- Ah, Raquel… – e ele tomou-a pelo braço rindo.
- Você está uma coisa de linda. E fuma agora uns cigarrinhos pilantras, azul e dourado…Juro que eu tinha que ver uma vez toda essa beleza, sentir esse perfume. Então fiz mal?
- Podia ter escolhido um outro lugar, não? – Abrandara a voz – E que é isso aí? Um cemitério?
Ele voltou-se para o velho muro arruinado. Indicou com o olhar o portão de ferro, carcomido pela ferrugem.
- Cemitério abandonado, meu anjo. Vivos e mortos, desertaram todos. Nem os fantasmas sobraram, olha aí como as criancinhas brincam sem medo – acrescentou, lançando um olhar às crianças rodando na sua ciranda. Ela tragou lentamente. Soprou a fumaça na cara do companheiro. Sorriu. – Ricardo e suas idéias. E agora? Qual é o programa?
Brandamente ele a tomou pela cintura.
- Conheço bem tudo isso, minha gente está enterrada aí. Vamos entrar um instante e te mostrarei o pôr do sol mais lindo do mundo.
Perplexa, ela encarou-o um instante. E vergou a cabeça para trás numa risada.
- Ver o pôr do sol!…Ah, meu Deus…Fabuloso, fabuloso!…Me implora um último encontro, me atormenta dias seguidos, me faz vir de longe para esta buraqueira, só mais uma vez, só mais uma! E para quê? Para ver o pôr do sol num cemitério…
Ele riu também, afetando encabulamento como um menino pilhado em falta.
- Raquel minha querida, não faça assim comigo. Você sabe que eu gostaria era de te levar ao meu apartamento, mas fiquei mais pobre ainda, como se isso fosse possível. Moro agora numa pensão horrenda, a dona é uma Medusa que vive espiando pelo buraco da fechadura…
- E você acha que eu iria?
- Não se zangue, sei que não iria, você está sendo fidelíssima. Então pensei, se pudéssemos conversar um instante numa rua afastada…- disse ele, aproximando-se mais. Acariciou-lhe o braço com as pontas dos dedos. Ficou sério. E aos poucos, inúmeras rugazinhas foram se formando em redor dos seus olhos ligeiramente apertados. Os leques de rugas se aprofundaram numa expressão astuta. Não era nesse instante tão jovem como aparentava. Mas logo sorriu e a rede de rugas desapareceu sem deixar vestígio. Voltou-lhe novamente o ar inexperiente e meio desatento –Você fez bem em vir.
- Quer dizer que o programa… E não podíamos tomar alguma coisa num bar?
- Estou sem dinheiro, meu anjo, vê se entende.
- Mas eu pago.
- Com o dinheiro dele? Prefiro beber formicida. Escolhi este passeio porque é de graça e muito decente, não pode haver passeio mais decente, não concorda comigo? Até romântico.
Ela olhou em redor. Puxou o braço que ele apertava.
- Foi um risco enorme Ricardo. Ele é ciumentíssimo. Está farto de saber que tive meus casos. Se nos pilha juntos, então sim, quero ver se alguma das suas fabulosas idéias vai me consertar a vida.
- Mas me lembrei deste lugar justamente porque não quero que você se arrisque, meu anjo. Não tem lugar mais discreto do que um cemitério abandonado, veja, completamente abandonado – prosseguiu ele, abrindo o portão. Os velhos gonzos gemeram. – Jamais seu amigo ou um amigo do seu amigo saberá que estivemos aqui.
- É um risco enorme, já disse . Não insista nessas brincadeiras, por favor. E se vem um enterro? Não suporto enterros.
- Mas enterro de quem? Raquel, Raquel, quantas vezes preciso repetir a mesma coisa?! Há séculos ninguém mais é enterrado aqui, acho que nem os ossos sobraram, que bobagem. Vem comigo, pode me dar o braço, não tenha medo…
O mato rasteiro dominava tudo. E, não satisfeito de ter se alastrado furioso pelos canteiros, subira pelas sepulturas, infiltrando-se ávido pelos rachões dos mármores, invadira alamedas de pedregulhos esverdinhados, como se quisesse com a sua violenta força de vida cobrir para sempre os últimos vestígios da morte. Foram andando vagarosamente pela longa alameda banhada de sol. Os passos de ambos ressoavam sonoros como uma estranha música feita do som das folhas secas trituradas sobre os pedregulhos. Amuada mas obediente, ela se deixava conduzir como uma criança. Às vezes mostrava certa curiosidade por uma ou outra sepultura com os pálidos medalhões de retratos esmaltados.
- É imenso, hem? E tão miserável, nunca vi um cemitério mais miserável, é deprimente – exclamou ela atirando a ponta do cigarro na direção de um anjinho de cabeça decepada.- Vamos embora, Ricardo, chega.
- Ah, Raquel, olha um pouco para esta tarde! Deprimente por quê? Não sei onde foi que eu li, a beleza não está nem na luz da manhã nem na sombra da tarde, está no crepúsculo, nesse meio-tom, nessa ambigüidade. Estou lhe dando um crepúsculo numa bandeja e você se queixa.
- Não gosto de cemitério, já disse. E ainda mais cemitério pobre.
Delicadamente ele beijou-lhe a mão.
- Você prometeu dar um fim de tarde a este seu escravo.
- É, mas fiz mal. Pode ser muito engraçado, mas não quero me arriscar mais.
- Ele é tão rico assim?
- Riquíssimo. Vai me levar agora numa viagem fabulosa até o Oriente. Já ouviu falar no Oriente? Vamos até o Oriente, meu caro…
Ele apanhou um pedregulho e fechou-o na mão. A pequenina rede de rugas voltou a se estender em redor dos seus olhos. A fisionomia, tão aberta e lisa, repentinamente escureceu, envelhecida. Mas logo o sorriso reapareceu e as rugazinhas sumiram.
- Eu também te levei um dia para passear de barco, lembra?
Recostando a cabeça no ombro do homem, ela retardou o passo.
- Sabe Ricardo, acho que você é mesmo tantã…Mas, apesar de tudo, tenho às vezes saudade daquele tempo. Que ano aquele! Palavra que, quando penso, não entendo até hoje como agüentei tanto, imagine um ano.
- É que você tinha lido A dama das Camélias, ficou assim toda frágil, toda sentimental. E agora? Que romance você está lendo agora. Hem?
- Nenhum – respondeu ela, franzindo os lábios. Deteve-se para ler a inscrição de uma laje despedaçada: – A minha querida esposa, eternas saudades – leu em voz baixa. Fez um muxoxo.- Pois sim. Durou pouco essa eternidade.
Ele atirou o pedregulho num canteiro ressequido.
Mas é esse abandono na morte que faz o encanto disto. Não se encontra mais a menor intervenção dos vivos, a estúpida intervenção dos vivos. Veja- disse, apontando uma sepultura fendida, a erva daninha brotando insólita de dentro da fenda -, o musgo já cobriu o nome na pedra. Por cima do musgo, ainda virão as raízes, depois as folhas…Esta a morte perfeita, nem lembrança, nem saudade, nem o nome sequer. Nem isso.
Ela aconchegou-se mais a ele. Bocejou.
- Está bem, mas agora vamos embora que já me diverti muito, faz tempo que não me divirto tanto, só mesmo um cara como você podia me fazer divertir assim – Deu-lhe um rápido beijo na face. – Chega Ricardo, quero ir embora.
- Mais alguns passos…
- Mas este cemitério não acaba mais, já andamos quilômetros! – Olhou para atrás. – Nunca andei tanto, Ricardo, vou ficar exausta.
- A boa vida te deixou preguiçosa. Que feio – lamentou ele, impelindo-a para frente. – Dobrando esta alameda, fica o jazigo da minha gente, é de lá que se vê o pôr do sol. – E, tomando-a pela cintura: – Sabe, Raquel, andei muitas vezes por aqui de mãos dadas com minha prima. Tínhamos então doze anos. Todos os domingos minha mãe vinha trazer flores e arrumar nossa capelinha onde já estava enterrado meu pai. Eu e minha priminha vínhamos com ela e ficávamos por aí, de mãos dadas, fazendo tantos planos. Agora as duas estão mortas.
- Sua prima também?
- Também. Morreu quando completou quinze anos. Não era propriamente bonita, mas tinha uns olhos…Eram assim verdes como os seus, parecidos com os seus. Extraordinário, Raquel, extraordinário como vocês duas…Penso agora que toda a beleza dela residia apenas nos olhos, assim meio oblíquos, como os seus.
- Vocês se amaram?
- Ela me amou. Foi a única criatura que…- Fez um gesto. – Enfim não tem importância.
Raquel tirou-lhe o cigarro, tragou e depois devolveu-o
- Eu gostei de você, Ricardo.
- E eu te amei. E te amo ainda. Percebe agora a diferença?
Um pássaro rompeu o cipreste e soltou um grito. Ela estremeceu.
- Esfriou, não? Vamos embora.
- Já chegamos, meu anjo. Aqui estão meus mortos.
Pararam diante de uma capelinha coberta de alto a baixo por uma trepadeira selvagem, que a envolvia num furioso abraço de cipós e folhas. A estreita porta rangeu quando ele a abriu de par em par. A luz invadiu um cubículo de paredes enegrecidas, cheias de estrias de antigas goteiras. No centro do cubículo, um altar meio desmantelado, coberto por uma toalha que adquirira a cor do tempo. Dois vasos de desbotada opalina ladeavam um tosco crucifixo de madeira. Entre os braços da cruz, uma aranha tecera dois triângulos de teias já rompidas, pendendo como farrapos de um manto que alguém colocara sobre os ombro do Cristo. Na parede lateral, à direita da porta, uma portinhola de ferro dando acesso para uma escada de pedra, descendo em caracol para a catacumba.
Ela entrou na ponta dos pés, evitando roçar mesmo de leve naqueles restos da capelinha.
- Que triste é isto, Ricardo. Nunca mais você esteve aqui?
Ele tocou na face da imagem recoberta de poeira. Sorriu melancólico.
- Sei que você gostaria de encontrar tudo limpinho, flores nos vasos, velas, sinais da minha dedicação, certo?
- Mas já disse que o que eu mais amo neste cemitério é precisamente esse abandono, esta solidão. As pontes com o outro mundo foram cortadas e aqui a morte se isolou total. Absoluta.
Ela adiantou-se e espiou através das enferrujadas barras de ferro da portinhola. Na semi-obscuridade do subsolo, os gavetões se estendiam ao longo das quatro paredes que formavam um estreito retângulo cinzento.
- E lá embaixo?
- Pois lá estão as gavetas. E, nas gavetas, minhas raízes. Pó, meu anjo, pó- murmurou ele. Abriu a portinhola e desceu a escada. Aproximou-se de uma gaveta no centro da parede, segurando firme na alça de bronze, como se fosse puxá-la. – A cômoda de pedra. Não é grandiosa?
Detendo-se no topo da escada, ela inclinou-se mais para ver melhor.
- Todas estas gavetas estão cheias?
- Cheias?…- Sorriu.- Só as que tem o retrato e a inscrição, está vendo? Nesta está o retrato da minha mãe, aqui ficou minha mãe- prosseguiu ele, tocando com as pontas dos dedos num medalhão esmaltado, embutido no centro da gaveta.
Ela cruzou os braços. Falou baixinho, um ligeiro tremor na voz.
- Vamos, Ricardo, vamos.
- Você está com medo?
- Claro que não, estou é com frio. Suba e vamos embora, estou com frio!
Ele não respondeu. Adiantara-se até um dos gavetões na parede oposta e acendeu um fósforo. Inclinou-se para o medalhão frouxamente iluminado:
- A priminha Maria Emília. Lembro-me até do dia em que tirou esse retrato. Foi umas duas semanas antes de morrer… Prendeu os cabelos com uma fita azul e vejo-a se exibir, estou bonita? Estou bonita?…- Falava agora consigo mesmo, doce e gravemente.- Não, não é que fosse bonita, mas os olhos…Venha ver, Raquel, é impressionante como tinha olhos iguais aos seus.
Ela desceu a escada, encolhendo-se para não esbarrar em nada.
- Que frio que faz aqui. E que escuro, não estou enxergando…
Acendendo outro fósforo, ele ofereceu-o à companheira.
- Pegue, dá para ver muito bem…- Afastou-se para o lado.- Repare nos olhos.
- Mas estão tão desbotados, mal se vê que é uma moça…- Antes da chama se apagar, aproximou-a da inscrição feita na pedra. Leu em voz alta, lentamente.- Maria Emília, nascida em vinte de maio de mil oitocentos e falecida…- Deixou cair o palito e ficou um instante imóvel – Mas esta não podia ser sua namorada, morreu há mais de cem anos! Seu menti…
Um baque metálico decepou-lhe a palavra pelo meio. Olhou em redor. A peça estava deserta. Voltou o olhar para a escada. No topo, Ricardo a observava por detrás da portinhola fechada. Tinha seu sorriso meio inocente, meio malicioso.
- Isto nunca foi o jazigo da sua família, seu mentiroso? Brincadeira mais cretina! – exclamou ela, subindo rapidamente a escada. – Não tem graça nenhuma, ouviu?
Ele esperou que ela chegasse quase a tocar o trinco da portinhola de ferro. Então deu uma volta à chave, arrancou-a da fechadura e saltou para trás.
- Ricardo, abre isto imediatamente! Vamos, imediatamente! – ordenou, torcendo o trinco.- Detesto esse tipo de brincadeira, você sabe disso. Seu idiota! É no que dá seguir a cabeça de um idiota desses. Brincadeira mais estúpida!
- Uma réstia de sol vai entrar pela frincha da porta, tem uma frincha na porta. Depois, vai se afastando devagarinho, bem devagarinho. Você terá o pôr do sol mais belo do mundo.
Ela sacudia a portinhola.
- Ricardo, chega, já disse! Chega! Abre imediatamente, imediatamente!- Sacudiu a portinhola com mais força ainda, agarrou-se a ela, dependurando-se por entre as grades. Ficou ofegante, os olhos cheios de lágrimas. Ensaiou um sorriso. – Ouça, meu bem, foi engraçadíssimo, mas agora preciso ir mesmo, vamos, abra…
Ele já não sorria. Estava sério, os olhos diminuídos. Em redor deles, reapareceram as rugazinhas abertas em leque.
- Boa noite, Raquel.
- Chega, Ricardo! Você vai me pagar!… – gritou ela, estendendo os braços por entre as grades, tentando agarrá-lo.- Cretino! Me dá a chave desta porcaria, vamos!- exigiu, examinando a fechadura nova em folha. Examinou em seguida as grades cobertas por uma crosta de ferrugem. Imobilizou-se. Foi erguendo o olhar até a chave que ele balançava pela argola, como um pêndulo. Encarou-o, apertando contra a grade a face sem cor. Esbugalhou os olhos num espasmo e amoleceu o corpo. Foi escorregando.
- Não, não…
Voltado ainda para ela, ele chegara até a porta e abriu os braços. Foi puxando as duas folhas escancaradas.
- Boa noite, meu anjo.
Os lábios dela se pregavam um ao outro, como se entre eles houvesse cola. Os olhos rodavam pesadamente numa expressão embrutecida.
- Não…
Guardando a chave no bolso, ele retomou o caminho percorrido. No breve silêncio, o som dos pedregulhos se entrechocando úmidos sob seus sapatos. E, de repente, o grito medonho, inumano:
- NÃO!
Durante algum tempo ele ainda ouviu os gritos que se multiplicaram, semelhantes aos de um animal sendo estraçalhado. Depois, os uivos foram ficando mais remotos, abafados como se viessem das profundezas da terra. Assim que atingiu o portão do cemitério, ele lançou ao poente um olhar mortiço. Ficou atento. Nenhum ouvido humano escutaria agora qualquer chamado. Acendeu um cigarro e foi descendo a ladeira. Crianças ao longe brincavam de roda.
QUESTÕES SOBRE O TEXTO
- Jamais, não é? Pensei que viesse vestida esportivamente e agora me aparece nessa elegância…Quando você andava comigo, usava uns sapatões de sete-léguas, lembra?
- Foi para falar sobre isso que você me fez subir até aqui? – perguntou ela, guardando as luvas na bolsa. Tirou um cigarro. – Hem?!
- Ah, Raquel… – e ele tomou-a pelo braço rindo.
- Você está uma coisa de linda. E fuma agora uns cigarrinhos pilantras, azul e dourado…Juro que eu tinha que ver uma vez toda essa beleza, sentir esse perfume. Então fiz mal?
- Podia ter escolhido um outro lugar, não? – Abrandara a voz – E que é isso aí? Um cemitério?
Ele voltou-se para o velho muro arruinado. Indicou com o olhar o portão de ferro, carcomido pela ferrugem.
- Cemitério abandonado, meu anjo. Vivos e mortos, desertaram todos. Nem os fantasmas sobraram, olha aí como as criancinhas brincam sem medo – acrescentou, lançando um olhar às crianças rodando na sua ciranda. Ela tragou lentamente. Soprou a fumaça na cara do companheiro. Sorriu. – Ricardo e suas idéias. E agora? Qual é o programa?
Brandamente ele a tomou pela cintura.
- Conheço bem tudo isso, minha gente está enterrada aí. Vamos entrar um instante e te mostrarei o pôr do sol mais lindo do mundo.
Perplexa, ela encarou-o um instante. E vergou a cabeça para trás numa risada.
- Ver o pôr do sol!…Ah, meu Deus…Fabuloso, fabuloso!…Me implora um último encontro, me atormenta dias seguidos, me faz vir de longe para esta buraqueira, só mais uma vez, só mais uma! E para quê? Para ver o pôr do sol num cemitério…
Ele riu também, afetando encabulamento como um menino pilhado em falta.
- Raquel minha querida, não faça assim comigo. Você sabe que eu gostaria era de te levar ao meu apartamento, mas fiquei mais pobre ainda, como se isso fosse possível. Moro agora numa pensão horrenda, a dona é uma Medusa que vive espiando pelo buraco da fechadura…
- E você acha que eu iria?
- Não se zangue, sei que não iria, você está sendo fidelíssima. Então pensei, se pudéssemos conversar um instante numa rua afastada…- disse ele, aproximando-se mais. Acariciou-lhe o braço com as pontas dos dedos. Ficou sério. E aos poucos, inúmeras rugazinhas foram se formando em redor dos seus olhos ligeiramente apertados. Os leques de rugas se aprofundaram numa expressão astuta. Não era nesse instante tão jovem como aparentava. Mas logo sorriu e a rede de rugas desapareceu sem deixar vestígio. Voltou-lhe novamente o ar inexperiente e meio desatento –Você fez bem em vir.
- Quer dizer que o programa… E não podíamos tomar alguma coisa num bar?
- Estou sem dinheiro, meu anjo, vê se entende.
- Mas eu pago.
- Com o dinheiro dele? Prefiro beber formicida. Escolhi este passeio porque é de graça e muito decente, não pode haver passeio mais decente, não concorda comigo? Até romântico.
Ela olhou em redor. Puxou o braço que ele apertava.
- Foi um risco enorme Ricardo. Ele é ciumentíssimo. Está farto de saber que tive meus casos. Se nos pilha juntos, então sim, quero ver se alguma das suas fabulosas idéias vai me consertar a vida.
- Mas me lembrei deste lugar justamente porque não quero que você se arrisque, meu anjo. Não tem lugar mais discreto do que um cemitério abandonado, veja, completamente abandonado – prosseguiu ele, abrindo o portão. Os velhos gonzos gemeram. – Jamais seu amigo ou um amigo do seu amigo saberá que estivemos aqui.
- É um risco enorme, já disse . Não insista nessas brincadeiras, por favor. E se vem um enterro? Não suporto enterros.
- Mas enterro de quem? Raquel, Raquel, quantas vezes preciso repetir a mesma coisa?! Há séculos ninguém mais é enterrado aqui, acho que nem os ossos sobraram, que bobagem. Vem comigo, pode me dar o braço, não tenha medo…
O mato rasteiro dominava tudo. E, não satisfeito de ter se alastrado furioso pelos canteiros, subira pelas sepulturas, infiltrando-se ávido pelos rachões dos mármores, invadira alamedas de pedregulhos esverdinhados, como se quisesse com a sua violenta força de vida cobrir para sempre os últimos vestígios da morte. Foram andando vagarosamente pela longa alameda banhada de sol. Os passos de ambos ressoavam sonoros como uma estranha música feita do som das folhas secas trituradas sobre os pedregulhos. Amuada mas obediente, ela se deixava conduzir como uma criança. Às vezes mostrava certa curiosidade por uma ou outra sepultura com os pálidos medalhões de retratos esmaltados.
- É imenso, hem? E tão miserável, nunca vi um cemitério mais miserável, é deprimente – exclamou ela atirando a ponta do cigarro na direção de um anjinho de cabeça decepada.- Vamos embora, Ricardo, chega.
- Ah, Raquel, olha um pouco para esta tarde! Deprimente por quê? Não sei onde foi que eu li, a beleza não está nem na luz da manhã nem na sombra da tarde, está no crepúsculo, nesse meio-tom, nessa ambigüidade. Estou lhe dando um crepúsculo numa bandeja e você se queixa.
- Não gosto de cemitério, já disse. E ainda mais cemitério pobre.
Delicadamente ele beijou-lhe a mão.
- Você prometeu dar um fim de tarde a este seu escravo.
- É, mas fiz mal. Pode ser muito engraçado, mas não quero me arriscar mais.
- Ele é tão rico assim?
- Riquíssimo. Vai me levar agora numa viagem fabulosa até o Oriente. Já ouviu falar no Oriente? Vamos até o Oriente, meu caro…
Ele apanhou um pedregulho e fechou-o na mão. A pequenina rede de rugas voltou a se estender em redor dos seus olhos. A fisionomia, tão aberta e lisa, repentinamente escureceu, envelhecida. Mas logo o sorriso reapareceu e as rugazinhas sumiram.
- Eu também te levei um dia para passear de barco, lembra?
Recostando a cabeça no ombro do homem, ela retardou o passo.
- Sabe Ricardo, acho que você é mesmo tantã…Mas, apesar de tudo, tenho às vezes saudade daquele tempo. Que ano aquele! Palavra que, quando penso, não entendo até hoje como agüentei tanto, imagine um ano.
- É que você tinha lido A dama das Camélias, ficou assim toda frágil, toda sentimental. E agora? Que romance você está lendo agora. Hem?
- Nenhum – respondeu ela, franzindo os lábios. Deteve-se para ler a inscrição de uma laje despedaçada: – A minha querida esposa, eternas saudades – leu em voz baixa. Fez um muxoxo.- Pois sim. Durou pouco essa eternidade.
Ele atirou o pedregulho num canteiro ressequido.
Mas é esse abandono na morte que faz o encanto disto. Não se encontra mais a menor intervenção dos vivos, a estúpida intervenção dos vivos. Veja- disse, apontando uma sepultura fendida, a erva daninha brotando insólita de dentro da fenda -, o musgo já cobriu o nome na pedra. Por cima do musgo, ainda virão as raízes, depois as folhas…Esta a morte perfeita, nem lembrança, nem saudade, nem o nome sequer. Nem isso.
Ela aconchegou-se mais a ele. Bocejou.
- Está bem, mas agora vamos embora que já me diverti muito, faz tempo que não me divirto tanto, só mesmo um cara como você podia me fazer divertir assim – Deu-lhe um rápido beijo na face. – Chega Ricardo, quero ir embora.
- Mais alguns passos…
- Mas este cemitério não acaba mais, já andamos quilômetros! – Olhou para atrás. – Nunca andei tanto, Ricardo, vou ficar exausta.
- A boa vida te deixou preguiçosa. Que feio – lamentou ele, impelindo-a para frente. – Dobrando esta alameda, fica o jazigo da minha gente, é de lá que se vê o pôr do sol. – E, tomando-a pela cintura: – Sabe, Raquel, andei muitas vezes por aqui de mãos dadas com minha prima. Tínhamos então doze anos. Todos os domingos minha mãe vinha trazer flores e arrumar nossa capelinha onde já estava enterrado meu pai. Eu e minha priminha vínhamos com ela e ficávamos por aí, de mãos dadas, fazendo tantos planos. Agora as duas estão mortas.
- Sua prima também?
- Também. Morreu quando completou quinze anos. Não era propriamente bonita, mas tinha uns olhos…Eram assim verdes como os seus, parecidos com os seus. Extraordinário, Raquel, extraordinário como vocês duas…Penso agora que toda a beleza dela residia apenas nos olhos, assim meio oblíquos, como os seus.
- Vocês se amaram?
- Ela me amou. Foi a única criatura que…- Fez um gesto. – Enfim não tem importância.
Raquel tirou-lhe o cigarro, tragou e depois devolveu-o
- Eu gostei de você, Ricardo.
- E eu te amei. E te amo ainda. Percebe agora a diferença?
Um pássaro rompeu o cipreste e soltou um grito. Ela estremeceu.
- Esfriou, não? Vamos embora.
- Já chegamos, meu anjo. Aqui estão meus mortos.
Pararam diante de uma capelinha coberta de alto a baixo por uma trepadeira selvagem, que a envolvia num furioso abraço de cipós e folhas. A estreita porta rangeu quando ele a abriu de par em par. A luz invadiu um cubículo de paredes enegrecidas, cheias de estrias de antigas goteiras. No centro do cubículo, um altar meio desmantelado, coberto por uma toalha que adquirira a cor do tempo. Dois vasos de desbotada opalina ladeavam um tosco crucifixo de madeira. Entre os braços da cruz, uma aranha tecera dois triângulos de teias já rompidas, pendendo como farrapos de um manto que alguém colocara sobre os ombro do Cristo. Na parede lateral, à direita da porta, uma portinhola de ferro dando acesso para uma escada de pedra, descendo em caracol para a catacumba.
Ela entrou na ponta dos pés, evitando roçar mesmo de leve naqueles restos da capelinha.
- Que triste é isto, Ricardo. Nunca mais você esteve aqui?
Ele tocou na face da imagem recoberta de poeira. Sorriu melancólico.
- Sei que você gostaria de encontrar tudo limpinho, flores nos vasos, velas, sinais da minha dedicação, certo?
- Mas já disse que o que eu mais amo neste cemitério é precisamente esse abandono, esta solidão. As pontes com o outro mundo foram cortadas e aqui a morte se isolou total. Absoluta.
Ela adiantou-se e espiou através das enferrujadas barras de ferro da portinhola. Na semi-obscuridade do subsolo, os gavetões se estendiam ao longo das quatro paredes que formavam um estreito retângulo cinzento.
- E lá embaixo?
- Pois lá estão as gavetas. E, nas gavetas, minhas raízes. Pó, meu anjo, pó- murmurou ele. Abriu a portinhola e desceu a escada. Aproximou-se de uma gaveta no centro da parede, segurando firme na alça de bronze, como se fosse puxá-la. – A cômoda de pedra. Não é grandiosa?
Detendo-se no topo da escada, ela inclinou-se mais para ver melhor.
- Todas estas gavetas estão cheias?
- Cheias?…- Sorriu.- Só as que tem o retrato e a inscrição, está vendo? Nesta está o retrato da minha mãe, aqui ficou minha mãe- prosseguiu ele, tocando com as pontas dos dedos num medalhão esmaltado, embutido no centro da gaveta.
Ela cruzou os braços. Falou baixinho, um ligeiro tremor na voz.
- Vamos, Ricardo, vamos.
- Você está com medo?
- Claro que não, estou é com frio. Suba e vamos embora, estou com frio!
Ele não respondeu. Adiantara-se até um dos gavetões na parede oposta e acendeu um fósforo. Inclinou-se para o medalhão frouxamente iluminado:
- A priminha Maria Emília. Lembro-me até do dia em que tirou esse retrato. Foi umas duas semanas antes de morrer… Prendeu os cabelos com uma fita azul e vejo-a se exibir, estou bonita? Estou bonita?…- Falava agora consigo mesmo, doce e gravemente.- Não, não é que fosse bonita, mas os olhos…Venha ver, Raquel, é impressionante como tinha olhos iguais aos seus.
Ela desceu a escada, encolhendo-se para não esbarrar em nada.
- Que frio que faz aqui. E que escuro, não estou enxergando…
Acendendo outro fósforo, ele ofereceu-o à companheira.
- Pegue, dá para ver muito bem…- Afastou-se para o lado.- Repare nos olhos.
- Mas estão tão desbotados, mal se vê que é uma moça…- Antes da chama se apagar, aproximou-a da inscrição feita na pedra. Leu em voz alta, lentamente.- Maria Emília, nascida em vinte de maio de mil oitocentos e falecida…- Deixou cair o palito e ficou um instante imóvel – Mas esta não podia ser sua namorada, morreu há mais de cem anos! Seu menti…
Um baque metálico decepou-lhe a palavra pelo meio. Olhou em redor. A peça estava deserta. Voltou o olhar para a escada. No topo, Ricardo a observava por detrás da portinhola fechada. Tinha seu sorriso meio inocente, meio malicioso.
- Isto nunca foi o jazigo da sua família, seu mentiroso? Brincadeira mais cretina! – exclamou ela, subindo rapidamente a escada. – Não tem graça nenhuma, ouviu?
Ele esperou que ela chegasse quase a tocar o trinco da portinhola de ferro. Então deu uma volta à chave, arrancou-a da fechadura e saltou para trás.
- Ricardo, abre isto imediatamente! Vamos, imediatamente! – ordenou, torcendo o trinco.- Detesto esse tipo de brincadeira, você sabe disso. Seu idiota! É no que dá seguir a cabeça de um idiota desses. Brincadeira mais estúpida!
- Uma réstia de sol vai entrar pela frincha da porta, tem uma frincha na porta. Depois, vai se afastando devagarinho, bem devagarinho. Você terá o pôr do sol mais belo do mundo.
Ela sacudia a portinhola.
- Ricardo, chega, já disse! Chega! Abre imediatamente, imediatamente!- Sacudiu a portinhola com mais força ainda, agarrou-se a ela, dependurando-se por entre as grades. Ficou ofegante, os olhos cheios de lágrimas. Ensaiou um sorriso. – Ouça, meu bem, foi engraçadíssimo, mas agora preciso ir mesmo, vamos, abra…
Ele já não sorria. Estava sério, os olhos diminuídos. Em redor deles, reapareceram as rugazinhas abertas em leque.
- Boa noite, Raquel.
- Chega, Ricardo! Você vai me pagar!… – gritou ela, estendendo os braços por entre as grades, tentando agarrá-lo.- Cretino! Me dá a chave desta porcaria, vamos!- exigiu, examinando a fechadura nova em folha. Examinou em seguida as grades cobertas por uma crosta de ferrugem. Imobilizou-se. Foi erguendo o olhar até a chave que ele balançava pela argola, como um pêndulo. Encarou-o, apertando contra a grade a face sem cor. Esbugalhou os olhos num espasmo e amoleceu o corpo. Foi escorregando.
- Não, não…
Voltado ainda para ela, ele chegara até a porta e abriu os braços. Foi puxando as duas folhas escancaradas.
- Boa noite, meu anjo.
Os lábios dela se pregavam um ao outro, como se entre eles houvesse cola. Os olhos rodavam pesadamente numa expressão embrutecida.
- Não…
Guardando a chave no bolso, ele retomou o caminho percorrido. No breve silêncio, o som dos pedregulhos se entrechocando úmidos sob seus sapatos. E, de repente, o grito medonho, inumano:
- NÃO!
Durante algum tempo ele ainda ouviu os gritos que se multiplicaram, semelhantes aos de um animal sendo estraçalhado. Depois, os uivos foram ficando mais remotos, abafados como se viessem das profundezas da terra. Assim que atingiu o portão do cemitério, ele lançou ao poente um olhar mortiço. Ficou atento. Nenhum ouvido humano escutaria agora qualquer chamado. Acendeu um cigarro e foi descendo a ladeira. Crianças ao longe brincavam de roda.
QUESTÕES SOBRE O TEXTO
- O conto é um texto curto que pertence ao
grupo dos gêneros narrativos ficcionais. Caracteriza-se por ser
condensado, isto é, apresentar poucas personagens, poucas ações e tempo e
espaço reduzidos. No conto acima:
- Que são as personagens envolvidas no
fatos narrados?
- A história narrada no conto limita-se
ao essencial. Tente resumi-la em uma linha.
- Nos gêneros narrativos, a sequencia de
fatos que mantem entre si uma relação de causa e efeito constitui o enredo.
- Um dos mais importantes elementos do
enredo é o conflito. O conflito é a oposição de interesses que, ao criar
uma tensão em torno da qual se organizam os fatos narrados, prende a
atenção do leitor ou ouvinte. No conto em estudo, em que momento se
inicia o conflito?
- Há um momento em que Raquel desconfia
das reais intenções do ex-amante. Nesse momento o conflito atinge o seu clímax,
isto é, seu ponto máximo, o momento de maior tensão na história. Qual é o
clímax do conto?
- O desfecho do conto confirma as
desconfianças de Raquel? Por que?
- Embora o conto tenha um final
surpreendente, uma leitura mais atenta dele permite perceber algumas
reações de Ricardo que prenunciam suas intenções. Identifique algumas
delas.
- Além das reações de Ricardo, há no
conto outras pistas de que alguma coisa estranha poderá acontecer?
Justifique sua resposta.
- O conto faz referência ao tempo e ao
espaço em que ocorrem os fatos narrados.
- Em que lugar(es) ocorre(m) os fatos?
- Qual é o tempo de duração dos fatos?
- Identifique no texto indícios de que
Ricardo premeditou sua ação final.
- Como o conto é uma narrativa curta, a
descrição das personagens costuma limitar-se ao essencial. No conto lido, quais
são as características:
- De Ricardo?
- De Raquel?
- Como outros textos ficcionais, o conto
costuma ser narrado em 1ª ou em 3ª pessoa. Em que pessoa é narrado o conto
em estudo? Como é possível identificar?
- Observe a linguagem do conto lido.
- Que tipo de variedade linguística foi
empregada?
- Que tempo verbal predomina?
- Quais são as características do conto? Considere os seguintes aspectos: finalidade do gênero, perfil dos interlocutores, suporte ou veículo, tema, estrutura, linguagem.
Adaptação do conto "Venha ver o por do sol" de Lygia Fagundes Telles
QUESTÕES SOBRE O VÍDEO
QUESTÕES SOBRE O VÍDEO
1. O primeiro
aspecto a chamar a atenção no vídeo é a trilha sonora. Que sentimentos ela
desperta no expectador? Podemos comparar aos sentimentos despertados pela leitura
do conto? Justifique.
2. O que
o vídeo preto/branco poderia revelar sobre a intenção do produtor?
3. Alguns
diálogos foram reproduzidos como a obra original, outros foram adaptados.
Explique o motivo para essa adaptação.
4. O que
o “sinal da cruz” feito por Ricardo representa? E como o personagens da indícios
de que pretende fazer algo a Raquel?
quarta-feira, 20 de março de 2013
Conto I - Exercício
Grande Edgar
Luiz Fernando Veríssimo
Já deve ter acontecido com você.
- Não está se lembrando de mim?
Você não está se lembrando dele. Procura, freneticamente, em todas as fichas armazenadas na memória o rosto dele e o nome correspondente, e não encontra. E não há tempo para procurar no arquivo desativado. Ele está ali, na sua frente, sorrindo, os olhos iluminados, antecipando a sua resposta. Lembra ou não lembra?
Neste ponto, você tem uma escolha. Há três caminhos a seguir.
Um, o curto, grosso e sincero.
- Não.
Você não está se lembrando dele e não tem por que esconder isso. O “Não” seco pode até insinuar uma reprimenda à pergunta. Não se faz uma pergunta assim, potencialmente embaraçosa, a ninguém, meu caro. Pelo menos não entre pessoas educadas. Você devia ter vergonha. Não me lembro de você e mesmo que lembrasse não diria. Passe bem.
Outro caminho, menos honesto mas igualmente razoável, é o da dissimulação.
- Não me diga. Você é o... o...
“Não me diga”, no caso, quer dizer “Me diga, me diga”. Você conta com a piedade dele e sabe que cedo ou tarde ele se identificará, para acabar com a sua agonia. Ou você pode dizer algo como:
- Desculpe deve ser a velhice, mas...
Este também é um apelo à piedade. Significa “Não torture um pobre desmemoriado, diga logo quem você é!” É uma maneira simpática de dizer que você não tem a menor idéia de quem ele é, mas que isso não se deve à insignificância dele e sim a uma deficiência de neurônios sua.
E há o terceiro caminho. O menos racional e recomendável. O que leva à tragédia e à ruína. E o que, naturalmente, você escolhe.
- Claro que estou me lembrando de você!
Você não quer magoá-lo, é isso. Há provas estatísticas que o desejo de não magoar os outros está na origem da maioria dos desastres sociais, mas você não quer que ele pense que passou pela sua vida sem deixar um vestígio sequer. E, mesmo, depois de dizer a frase não há como recuar. Você pulou no abismo. Seja o que Deus quiser. Você ainda arremata:
- Há quanto tempo!
Agora tudo dependerá da reação dele. Se for um calhorda, ele o desafiará.
- Então me diga quem eu sou.
Neste caso você não tem outra saída senão simular um ataque cardíaco e esperar, falsamente desacordado, que a ambulância venha salvá-lo. Mas ele pode ser misericordioso e dizer apenas:
- Pois é.
Ou:
- Bota tempo nisso.
Você ganhou tempo para pesquisar melhor a memória. Quem é esse cara, meu Deus? Enquanto resgata caixotes com fichas antigas do meio da poeira e das teias de aranha do fundo do cérebro, o mantém à distância com frases neutras como “jabs” verbais.
- Como cê tem passado?
- Bem, bem.
- Parece mentira.
- Puxa.
(Um colega da escola. Do serviço militar. Será um parente? Quem é esse cara, meu Deus?)
Ele está falando:
- Pensei que você não fosse me reconhecer...
- O que é isso?!
- Não, porque a gente às vezes se decepciona com as pessoas.
- E eu ia esquecer você? Logo você?
- As pessoas mudam. Sei lá.
- Que idéia!
(É o Ademar! Não, o Ademar já morreu. Você foi ao enterro dele. O... o... como era o nome dele? Tinha uma perna mecânica. Rezende! Mas como saber se ele tem uma perna mecânica? Você pode chutá-lo, amigavelmente. E se chutar a perna boa? Chuta as duas. “Que bom encontrar você!” e paf, chuta uma perna. “Que saudade!” e paf, chuta a outra. Quem é esse cara?)
- É incrível como a gente perde contato.
- É mesmo.
Uma tentativa. É um lance arriscado, mas nesses momentos deve-se ser audacioso.
- Cê tem visto alguém da velha turma?
- Só o Pontes.
- Velho Pontes!
(Pontes. Você conhece algum Pontes? Pelo menos agora tem um nome com o qual trabalhar. Uma segunda ficha para localizar no sótão. Pontes, Pontes...)
- Lembra do Croarê?
- Claro!
- Esse eu também encontro, às vezes, no tiro ao alvo.
- Velho Croarê!
(Croarê. Tiro ao alvo. Você não conhece nenhum Croarê e nunca fez tiro ao alvo. É inútil. As pistas não estão ajudando. Você decide esquecer toda a cautela e partir para um lance decisivo. Um lance de desespero. O último, antes de apelar para o enfarte.)
- Rezende...
- Quem?
Não é ele. Pelo menos isso está esclarecido.
- Não tinha um Rezende na turma?
- Não me lembro.
- Devo estar confundindo.
Silêncio. Você sente que está prestes a ser desmascarado.
- Sabe que a Ritinha casou?
- Não!
- Casou.
- Com quem?
- Acho que você não conheceu. O Bituca.
Você abandonou todos os escrúpulos. Ao diabo com a cautela. Já que o vexame é inevitável, que ele seja total, arrasador. Você está tomado por uma espécie de euforia terminal. De delírio do abismo. Como que não conhece o Bituca?
- Claro que conheci! Velho Bituca...
- Pois casaram...
É a sua chance. É a saída. Você passa ao ataque.
- E não me avisaram nada?!
- Bem...
- Não. Espera um pouquinho. Todas essas coisas acontecendo, a Ritinha casando com o Bituca, o Croarê dando tiro, e ninguém me avisa nada?!
- É que a gente perdeu contato e...
- Mas o meu nome está na lista, meu querido. Era só dar um telefonema. Mandar um convite.
- É...
- E você ainda achava que eu não ia reconhecer você. Vocês é que esqueceram de mim!
- Desculpe, Edgar. É que...
- Não desculpo não. Você tem razão. As pessoas mudam...
(Edgar. Ele chamou você de Edgar. Você não se chama Edgar. Ele confundiu você com outro. Ele também não tem a mínima idéia de quem você é. O melhor é acabar logo com isso. Aproveitar que ele está na defensiva. Olhar o relógio e fazer cara de “Já?!”)
- Tenho que ir. Olha, foi bom ver você, viu?
- Certo, Edgar. E desculpe, hein?
- O que é isso? Precisamos nos ver mais seguido.
- Isso.
- Reunir a velha turma.
- Certo.
- E olha, quando falar com a Ritinha e o Mutuca...
- Bituca.
- E o Bituca, diz que eu mandei um beijo. Tchau, hein?
- Tchau, Edgar!
Ao se afastar, você ainda ouve, satisfeito, ele dizer “Grande Edgar”. Mas jura que é a última vez que fará isso. Na próxima vez que alguém lhe perguntar “Você está me reconhecendo?” não dirá nem não. Sairá correndo.
- Não está se lembrando de mim?
Você não está se lembrando dele. Procura, freneticamente, em todas as fichas armazenadas na memória o rosto dele e o nome correspondente, e não encontra. E não há tempo para procurar no arquivo desativado. Ele está ali, na sua frente, sorrindo, os olhos iluminados, antecipando a sua resposta. Lembra ou não lembra?
Neste ponto, você tem uma escolha. Há três caminhos a seguir.
Um, o curto, grosso e sincero.
- Não.
Você não está se lembrando dele e não tem por que esconder isso. O “Não” seco pode até insinuar uma reprimenda à pergunta. Não se faz uma pergunta assim, potencialmente embaraçosa, a ninguém, meu caro. Pelo menos não entre pessoas educadas. Você devia ter vergonha. Não me lembro de você e mesmo que lembrasse não diria. Passe bem.
Outro caminho, menos honesto mas igualmente razoável, é o da dissimulação.
- Não me diga. Você é o... o...
“Não me diga”, no caso, quer dizer “Me diga, me diga”. Você conta com a piedade dele e sabe que cedo ou tarde ele se identificará, para acabar com a sua agonia. Ou você pode dizer algo como:
- Desculpe deve ser a velhice, mas...
Este também é um apelo à piedade. Significa “Não torture um pobre desmemoriado, diga logo quem você é!” É uma maneira simpática de dizer que você não tem a menor idéia de quem ele é, mas que isso não se deve à insignificância dele e sim a uma deficiência de neurônios sua.
E há o terceiro caminho. O menos racional e recomendável. O que leva à tragédia e à ruína. E o que, naturalmente, você escolhe.
- Claro que estou me lembrando de você!
Você não quer magoá-lo, é isso. Há provas estatísticas que o desejo de não magoar os outros está na origem da maioria dos desastres sociais, mas você não quer que ele pense que passou pela sua vida sem deixar um vestígio sequer. E, mesmo, depois de dizer a frase não há como recuar. Você pulou no abismo. Seja o que Deus quiser. Você ainda arremata:
- Há quanto tempo!
Agora tudo dependerá da reação dele. Se for um calhorda, ele o desafiará.
- Então me diga quem eu sou.
Neste caso você não tem outra saída senão simular um ataque cardíaco e esperar, falsamente desacordado, que a ambulância venha salvá-lo. Mas ele pode ser misericordioso e dizer apenas:
- Pois é.
Ou:
- Bota tempo nisso.
Você ganhou tempo para pesquisar melhor a memória. Quem é esse cara, meu Deus? Enquanto resgata caixotes com fichas antigas do meio da poeira e das teias de aranha do fundo do cérebro, o mantém à distância com frases neutras como “jabs” verbais.
- Como cê tem passado?
- Bem, bem.
- Parece mentira.
- Puxa.
(Um colega da escola. Do serviço militar. Será um parente? Quem é esse cara, meu Deus?)
Ele está falando:
- Pensei que você não fosse me reconhecer...
- O que é isso?!
- Não, porque a gente às vezes se decepciona com as pessoas.
- E eu ia esquecer você? Logo você?
- As pessoas mudam. Sei lá.
- Que idéia!
(É o Ademar! Não, o Ademar já morreu. Você foi ao enterro dele. O... o... como era o nome dele? Tinha uma perna mecânica. Rezende! Mas como saber se ele tem uma perna mecânica? Você pode chutá-lo, amigavelmente. E se chutar a perna boa? Chuta as duas. “Que bom encontrar você!” e paf, chuta uma perna. “Que saudade!” e paf, chuta a outra. Quem é esse cara?)
- É incrível como a gente perde contato.
- É mesmo.
Uma tentativa. É um lance arriscado, mas nesses momentos deve-se ser audacioso.
- Cê tem visto alguém da velha turma?
- Só o Pontes.
- Velho Pontes!
(Pontes. Você conhece algum Pontes? Pelo menos agora tem um nome com o qual trabalhar. Uma segunda ficha para localizar no sótão. Pontes, Pontes...)
- Lembra do Croarê?
- Claro!
- Esse eu também encontro, às vezes, no tiro ao alvo.
- Velho Croarê!
(Croarê. Tiro ao alvo. Você não conhece nenhum Croarê e nunca fez tiro ao alvo. É inútil. As pistas não estão ajudando. Você decide esquecer toda a cautela e partir para um lance decisivo. Um lance de desespero. O último, antes de apelar para o enfarte.)
- Rezende...
- Quem?
Não é ele. Pelo menos isso está esclarecido.
- Não tinha um Rezende na turma?
- Não me lembro.
- Devo estar confundindo.
Silêncio. Você sente que está prestes a ser desmascarado.
- Sabe que a Ritinha casou?
- Não!
- Casou.
- Com quem?
- Acho que você não conheceu. O Bituca.
Você abandonou todos os escrúpulos. Ao diabo com a cautela. Já que o vexame é inevitável, que ele seja total, arrasador. Você está tomado por uma espécie de euforia terminal. De delírio do abismo. Como que não conhece o Bituca?
- Claro que conheci! Velho Bituca...
- Pois casaram...
É a sua chance. É a saída. Você passa ao ataque.
- E não me avisaram nada?!
- Bem...
- Não. Espera um pouquinho. Todas essas coisas acontecendo, a Ritinha casando com o Bituca, o Croarê dando tiro, e ninguém me avisa nada?!
- É que a gente perdeu contato e...
- Mas o meu nome está na lista, meu querido. Era só dar um telefonema. Mandar um convite.
- É...
- E você ainda achava que eu não ia reconhecer você. Vocês é que esqueceram de mim!
- Desculpe, Edgar. É que...
- Não desculpo não. Você tem razão. As pessoas mudam...
(Edgar. Ele chamou você de Edgar. Você não se chama Edgar. Ele confundiu você com outro. Ele também não tem a mínima idéia de quem você é. O melhor é acabar logo com isso. Aproveitar que ele está na defensiva. Olhar o relógio e fazer cara de “Já?!”)
- Tenho que ir. Olha, foi bom ver você, viu?
- Certo, Edgar. E desculpe, hein?
- O que é isso? Precisamos nos ver mais seguido.
- Isso.
- Reunir a velha turma.
- Certo.
- E olha, quando falar com a Ritinha e o Mutuca...
- Bituca.
- E o Bituca, diz que eu mandei um beijo. Tchau, hein?
- Tchau, Edgar!
Ao se afastar, você ainda ouve, satisfeito, ele dizer “Grande Edgar”. Mas jura que é a última vez que fará isso. Na próxima vez que alguém lhe perguntar “Você está me reconhecendo?” não dirá nem não. Sairá correndo.
Maior abandonado
Cazuza
Eu tô perdido
Sem pai nem mãe
Bem na porta da tua casa
Eu tô pedindo
A tua mão
E um pouquinho do braço
Migalhas dormidas do teu pão
Raspas e restos
Me interessam
Pequenas porções de ilusão
Mentiras sinceras me interessam
Me interessam...
Eu tô pedindo
A tua mão
Me leve para qualquer lado
Só um pouquinho
De proteção
A um maior abandonado
Seu corpo com amor ou não
Raspas e restos me interessam
Me ame como a um irmão
Mentiras sinceras me interessam
Me interessam...
Migalhas dormidas do teu pão
Raspas e restos me interessam
Pequenas poções de ilusão
Mentiras sinceras me interessam
Me interessam...
Eu tô pedindo
Que a tua mão
Me leve para qualquer lado
Só um pouquinho de proteção
A um maior abandonado
Responda as questões propostas abaixo:
- Comparar as duas formas de abandono/distanciamento as quais os dois textos referem-se.
- Identificar a qual gênero pertencem os textos.
- Analisar o conto conforme as estruturas características do gênero (apresentação,complicação, clímax, desfecho).
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
LISTA DE ATIVIDADES DE RECUPERAÇÃO - 3º ano GRAMATICA e LITERATURA
OBSERVAÇÕES:
- Faça as 20 QUESTÕES em folha de papel OFICIO ou ALMAÇO, com caneta AZUL ou PRETA, escrito a mão, copiando PERGUNTAS e RESPOSTAS.
- Identifique seu trabalho com NOME, NUMERO, SÉRIE, TURMA.
- A DATA DE ENTREGA é 25/03/2013, SEGUNDA-FEIRA, diretamente ao PROFESSOR da sua turma (Dênia e Sandra)
O
RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI
– O
meu nome é Severino,
não
tenho outro de pia.
Como
há muitos Severinos,
que
é santo de romaria,
deram
então de me chamar
Severino
de Maria:
como
há muitos Severinos
com
mães chamadas Maria,
fiquei
sendo o da Maria
do
finado Zacarias.
Mas
isso ainda diz pouco:
há
muitos na freguesia,
por
causa de um coronel
que
se chamou Zacarias
e
que foi o mais antigo
senhor
desta sesmaria.
Como
então dizer quem fala
Ora
a Vossas Senhorias?
Vejamos:
é o Severino
da
Maria do Zacarias,
lá
da serra da Costela,
limites
da Paraíba.
Mas
isso ainda diz pouco:
se
ao menos mais cinco havia
com
nome de Severino
filhos
de tantas Marias
mulheres
de outros tantos,
já
finados, Zacarias
vivendo
na mesma serra
magra
e ossuda em que eu vivia.
Somos
muitos Severinos
iguais
em tudo na vida:
na
mesma cabeça grande
que
a custo é que se equilibra,
no
mesmo ventre crescido
sobre
as mesmas pernas finas,
e
iguais também porque o sangue
que
usamos tem pouca tinta.
E
se somos Severinos
iguais
em tudo na vida,
morremos
de morte igual,
mesma
morte Severina:
que
é a morte de que se morre
de
velhice antes dos trinta,
de
emboscada antes dos vinte
de
fome um pouco por dia
(de
fraqueza e de doença
é
que a morte Severina
ataca
em qualquer idade,
e
até gente não nascida).
Somos
muitos Severinos
iguais
em tudo e na sina:
a
de abrandar estas pedras
suando-se
muito em cima,
a
de tentar despertar
terra
sempre mais extinta,
a
de querer arrancar
algum
roçado da cinza.
Mas,
para que me conheçam
melhor
Vossas Senhorias
e
melhor possam seguir
a
história de minha vida,
passo
a ser o Severino
que
em vossa presença emigra.
1ª
QUESTÃO
No
texto 1, o eu lírico aponta várias formas de identificação.
a)
Por quê?
b)
Destaque os dois versos que indicam que não adianta tentar dar
outros atributos acerca de si
próprio.
c)
Explique a expressão destacada em “morrendo de morte igual / mesma
morte severina”
2ª
QUESTÃO
Em
determinado trecho do texto, há uma visão metafórica do espaço
físico, evidenciando
características dos nordestinos. Indique os
versos em que essa transposição de atributos está
explícita.
3ª
QUESTÃO
Sim,
o melhor é apressar
o
fim desta ladainha,
fim
do rosário de nomes
que
a linha do rio enfia;
é
chegar logo ao Recife,
derradeira
ave-maria
do
rosário, derradeira
invocação
da ladainha,
Recife,
onde o rio some
e
esta minha viagem se fina
Sabendo-se
que o Recife é onde a viagem “se fina”, trace a trajetória do
retirante e o que ele encontrou pela
frente no ambiente físico.
4ª
QUESTÃO
Explique
o significado de “a linha do rio enfia” e “o rio some”.
5ª
QUESTÃO
Complete
as frases com as preposições adequadas, contraindo-as
quando
for necessário.
a.
O salão nobre da mansão é destinado (/) grandes recepções.
b.
As visitas (/) prédios antigos e (/) casas coloniais são
acompanhadas
por guias especializados.
c.
Serão abertas (/) público as farmácias homeopáticas tão
esperadas
(/)
população.
d.
A presença (/) crianças (/) grupos escolares é comum no Instituto
Butantã.
e.
Poucos se preocuparam com a ampliação (/) atividades culturais.
f.
Os alunos empolgaram-se com a discussão (/) temas abolicionistas.
g.
O objetivo das pesquisas é relacionar o aumento (/) desidratação
(/)
crescimento da miséria brasileira.
h.
Uma das coisas que mais respeito (/) alguém é a sua coerência, o
fato
(/) fazer na vida tudo que é compatível (/) suas ideias.
i.
A maioria das crianças brasileiras é propensa (/) doenças
infecciosas.
j.
Aquela senhora foi atenciosa (/) as visitas.
k.
Qualquer sistema democrático é preferível (/) autoritarismo.
l.
Os temas (/) livro eram filosóficos.
m.
Não estávamos aptos (/) exercer o cargo.
n.
Estávamos ansiosos (/) chegada do Natal.
o.
Este é o preço estabelecido (/) a passagem de ônibus.
p.
A descrição das florestas e igarapés era feita (/) beleza e
poesia.
6ª
QUESTÃO
Identifique
as frases em que ocorre regência nominal inadequada e
corrija-as.
a.
Ele, deitado na cama, estava alheio a tudo; mesmo assim
abracei-o.
b.
Apesar de toda a comemoração em sua homenagem, ainda era
necessária
a confirmação de sua presença.
c.
Aquela área de terra pertencia-lhe havia muito tempo e isso era o
bastante
para não colocarem dúvidas sobre o seu direito de
propriedade.
d.
Aquele homem, embora já tivesse perdido muito dinheiro, era
constante
do vício de jogar.
e.
O prejuízo causado pelo incêndio de ontem à noite foi análogo
ao
do ano passado.
f.
Às vezes é preferível ficar em casa do que viajar.
g.
A sua falta na prova foi justificada.
h.
Álvares de Azevedo foi contemporâneo com a época de Junqueira
Freire
e Fagundes Varela.
7ª
QUESTÃO
Dê
o significado dos verbos destacados nas frases.
a.
O Exército chamou os jovens rapazes.
b. Chamavam o
jogador de Cestinha.
c. Chamavam ao
jogador de Cestinha.
d.
Eu queria um livro de Gramática.
e.
Eu quero aos meus pais.
f.
As enfermeiras assistiam os doentes com dedicação.
g.
Os turistas assistiram a apresentações folclóricas
na Bahia.
h. Assistia ao
advogado de defesa o direito à palavra.
i.
O jogador visou as traves e chutou a bola certeira.
j.
Tudo o que fazia era visando à tranquilidade dos
pais.
k.
O gerente do banco visou o cheque.
l.
Na primavera, aspiramos o perfume das flores.
m.
Há homens que aspiram ao poder pela força.
n. Custou aos
alunos entender aquele exercício.
o.
A aquisição do imóvel custou -nos muito trabalho.
p.
Sua argumentação referente à falta de leite não procede.
q.
Muitos problemas de saúde procedem de má
alimentação.
r.
O organizador da exposição procedeu à entrega das
medalhas.
s.
A escola atual atende às reais necessidades das
crianças e dos
jovens
brasileiros?
t.
Com jeito, a garota acabou atendendo ao pedido do
namorado.
u.
O prefeito atendeu muito bem os repórteres.
v.
O helicóptero precisou o local onde o avião havia
caído.
w. Precisamos de
tempo para recompor nossas economias.
8ª
QUESTÃO
Retire
os verbos destacados no exercício anterior e classifique-os de
acordo com o seu significado em: intransitivo, transitivo direto,
transitivo
indireto, transitivo direto e indireto.
Modelo:
a.
Chamar — sentido de convocar — verbo transitivo direto
b.
Chamar — sentido de denominar — verbo transitivo direto
c.
Chamar — sentido de denominar — verbo transitivo indireto
9ª
QUESTÃO
Complete.
Observando
os diferentes significados e as diferentes regências dos verbos
no exercício anterior, conclui-se que esses verbos alteram o significado
conforme (/).
Reveja
na parte teórica os verbos destacados abaixo. Informe suas
peculiaridades.
Modelo:
Não me lembrei de desligar o ferro.
lembrar-se:
pronominal — verbo transitivo indireto
Esqueci
o material de Língua Portuguesa.
esquecer:
não pronominal — verbo transitivo direto
a.
Vera lembrou-se do aniversário de Fernando.
b. Esqueci-me
de comprar papel higiênico.
c. Lembrei o
nome daquela cantiga folclórica.
d.
Lígia esqueceu as sandálias na praia.
e.
Já pagamos todas as nossas dívidas.
f.
Você já pagou ao tintureiro?
g.
Eles pagam baixos salários aos boias-frias.
h.
Nossos credores perdoaram nossas dívidas.
i.
Há pais que não perdoam aos filhos.
j.
A firma não perdoou a dívida aos credores.
k. Agradecemos os
favores recebidos.
l.
Já agradeceram aos vizinhos?
m.
Você já agradeceu a seu pai o presente?
10ª
QUESTÃO
O
generoso e divertido companheiro de crônicas
Conheci
Marcos Rey há mais de vinte anos, quando sonhava tornar-me
escritor. Certa vez confessei esse desejo à atriz Célia
Helena, que deixou sua marca no teatro paulista. Tempos depois,
ela me convidou para tentar adaptar um livro para teatro. Era O RAPTO
DO GAROTO DE OURO, de Marcos. Passei noites me torturando sobre as
teclas. Célia marcou um encontro entre mim e ele, pois a montagem
dependia da aprovação do autor. Quando adolescente, eu ficara
fascinado com MEMÓRIAS DE UM GIGOLÔ, seu livro mais conhecido.
Nunca tinha visto um escritor de perto. Imaginava uma figura pomposa,
em cima de um pedestal. Meu coração quase saiu pela boca quando
apertei a campainha. Fui recebido por Palma, sua mulher. Um homem
gordinho e simpático entrou na sala. Na época, já sofria de uma
doença que lhe dificultava o movimento das mãos e dos pés.
Cumprimentou-me. Sorriu. Estava tão nervoso que nem consegui dizer
"boa-tarde". Gaguejei. Mas ele me tratou com o respeito que
se dedica a um colega. Propôs mudanças no texto. Orientou-me.
Principalmente, acreditou em mim. A peça permaneceu em cartaz dois
anos. Muito do que sou hoje devo ao carinho com que me recebeu
naquele dia.
(WALCYR
CARRASCO, PÁG. 98 - VEJA SP, 14 DE ABRIL, 1999.)
Justifique
o uso do sinal de crase em à, no trecho destacado.
11ª
QUESTÃO
Antes
de começar a aula - matéria e exercícios no quadro, como muita
gente entende -, o mestre sempre declamava um poema e fazia vibrar
sua alma de tanta empolgação e os alunos ficavam admirados. Com a
sutileza de um sábio foi nos ensinando a linguagem poética mesclada
ao ritmo, à melodia e a própria sensibilidade artística.
Um verdadeiro deleite para o espírito, uma sensação de paz,
harmonia.
(Osório, T. Meu querido professor. "Jornal Vale
Paraibano", 15/10/1999.)
a)
Qual a interpretação que pode ser dada à ausência da crase no
trecho "a própria sensibilidade artística"?
b)
Qual seria a interpretação caso houvesse a crase?
12ª
QUESTÃO
Entre
as formas A, AS, À, ÀS, HÁ, HÃO, FAZ, FAZEM, escolha as que
completam corretamente a frase abaixo.
________
seis meses fomos ________ Bahia. Chegamos ________ cidade de Salvador
sábado, ________ dezesseis horas. Domingo, dirigimo-nos ________
Itabuna, que fica ________ 454 quilômetros da capital. Nestas
férias, pretendemos ir ________ Curitiba, ________ Florianópolis e
________ capital do Rio Grande do Sul.
13ª
QUESTÃO
Leia
atentamente o poema em evidência, e a seguir atente-se paras as
questões referentes ao mesmo:
Quando
saio às ruas
Sinto
o que é solidão
Se paro à sombra de uma velha árvore
Fico a pensar se ainda me resta alguma ilusão.
Marina Ferreira
Se paro à sombra de uma velha árvore
Fico a pensar se ainda me resta alguma ilusão.
Marina Ferreira
Em
algumas expressões há o acento indicador da crase, em outras não.
De acordo com os seus conhecimentos no que se refere a este fato
linguístico, justifique as ocorrências.
14ª
QUESTÃO
Ao
adentrar em uma empresa, Paulo deparou-se com um cartaz, no qual
havia os seguintes dizeres:
Proibido
à entrada de funcionários por este local
Dirija-se a direita e seja bem vindo!
À Direção
Dirija-se a direita e seja bem vindo!
À Direção
Tomando
como ponto de partida os pressupostos teóricos relacionados à
gramática, analise-os no intuito de detectar possíveis “desvios”
quanto ao discurso apresentado. No caso de alguma ocorrência
positiva, procure justificá-la.
15ª
QUESTÃO
EMERGÊNCIA
Mário Quintana
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
– Por isso é que os poemas têm ritmo
— para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
Mário Quintana
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
– Por isso é que os poemas têm ritmo
— para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
AGOSTO
1964
Ferreira Gullar
Entre lojas de flores e de sapatos, bares,
mercados, butiques,
viajo
num ônibus Estrada de Ferro – Leblon.
– Volto do trabalho, a noite em meio,
fatigado de mentiras.
O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,
relógio de lilases, concretismo,
neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
– que a vida
eu a compro à vista aos donos do mundo.
Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
a poesia agora responde a inquérito policial-militar.
Digo adeus à ilusão
– mas não ao mundo. Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
Do salário injusto,
da punição injusta,
da humilhação, da tortura,
– do terror,
retiramos algo e com ele construímos um artefato
um poema
uma bandeira
Ferreira Gullar
Entre lojas de flores e de sapatos, bares,
mercados, butiques,
viajo
num ônibus Estrada de Ferro – Leblon.
– Volto do trabalho, a noite em meio,
fatigado de mentiras.
O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,
relógio de lilases, concretismo,
neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
– que a vida
eu a compro à vista aos donos do mundo.
Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
a poesia agora responde a inquérito policial-militar.
Digo adeus à ilusão
– mas não ao mundo. Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
Do salário injusto,
da punição injusta,
da humilhação, da tortura,
– do terror,
retiramos algo e com ele construímos um artefato
um poema
uma bandeira
In:
MORICONI, Italo (Org.). Os cem melhores poemas brasileiros do século.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 117 e 267.
Com
base na leitura dos poemas Emergência, de Mário Quintana, e Agosto
1964, de Ferreira Gullar, explique a concepção de poesia de cada
sujeito poético e destaque, pelo menos, dois recursos linguísticos
que constituem imagens poéticas de cada texto. Justifique sua
escolha.
16ª
QUESTÃO
(...) Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve.Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar — é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim dá certo. Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença de coisa nenhuma! Porque existe dor. E a vida do homem está presa encantoada — erra rumo, dá em aleijões como esses, dos meninos sem pernas e braços. (...)(Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas.)
Uma
das principais características da obra de Guimarães Rosa é sua
linguagem artificiosamente inventada, barroca até certo ponto, mas
instrumento adequado para sua narração, na qual o sertão acaba
universalizado.
a)
Transcreva um trecho do texto apresentado, onde esse tipo de
“invenção” ocorre.
b) Transcreva um trecho em que a sintaxe
utilizada por Rosa configura uma variação lingüística que
contraria o registro prescrito pela língua padrão.
17ª
QUESTÃO
Normalmente,
na construção de um texto, é comum um pronome recuperar um
elemento anterior, como em “Fome Zero, abrace essa causa!” No
trecho de Guimarães Rosa, há uma situação oposta, em que o
elemento recuperado aparece depois do pronome.
a) Identifique essa situação.
b) Construa uma outra frase que repita esse tipo de situação.
a) Identifique essa situação.
b) Construa uma outra frase que repita esse tipo de situação.
18ª
QUESTÃO
UAI,
EU?
Se
o assunto é meu e seu, lhe digo, lhe conto; que vale enterrar
minhocas? De como aqui me vi, sutil assim, por tantas cargas d'água.
No engano sem desengano: o de aprender prático o desfeitio da vida.
Sorte?
A gente vai - nos passos da história que vem. Quem quer viver faz
mágica. Ainda maiseu, que sempre fui arrimo de pai bêbado. Só que
isso se deu, o que quando, deveras comigo, feliz e prosperado. Ah,
que saudades que eu não tenha... Ah, meus bons maus-tempos! Eu
trabalhava para um senhor Doutor Mimoso.3 Sururjão, não; é
solorgião. Inteiro na fama - olh'alegre, justo, inteligentudo - de
calibre de quilate de caráter. Bom até-onde-que, bom como cobertor,
lençol e colcha, bom mesmo quando com dor-de-cabeça: bom, feito
mingau adoçado. Versando chefe os solertes preceitos. Ordem, por
fora; paciência por dentro. Muito mediante fortes cálculos,
imaginado de ladino, só se diga. A fim de comigo ligeiro poder ir
ver seus chamados de seus doentes, tinha fechado um piquete no
quintal: lá pernoitavam, de diário, à mão, dois animais de sela -
prontos para qualquer aurora.4 Vindo a gente a par, nas ocasiões, ou
eu atrás, com a maleta dos remédios e petrechos, renquetrenque,
estudante andante. Pois ele comigo proseava, me alentando,
cabidamente, por norteação - a conversa manuscrita. Aquela conversa
me dava muitos arredores. Ô homem! Inteligente como agulha e linha,
feito pulga no escuro, como dinheiro não gastado. Atilado todo em
sagacidades e finuras - é de "fimplus"! "de
tintínibus"... - latim, o senhor sabe, aperfeiçoa... Isso,
para ele, era fritada de meio ovo. O que porém bem. (ROSA,
João Guimarães. "Tutaméia: terceiras estórias". Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1985.)
NO
MEIO DO CAMINHO
No
meio do caminho tinha uma pedra
tinha
uma pedra no meio do caminho
tinha
uma pedra
no
meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
(ANDRADE, Carlos Drummond de. "Reunião". Rio de Janeiro: José Olympio, 1972.)
Na estrutura tradicional de um texto narrativo, uma das atribuições
do narrador é nos dar informações a respeito dos personagens.
a)
O narrador onisciente é aquele que sabe tudo sobre todos os
personagens e suas ações; o narrador-personagem conta a história e
dela participa.Identifique o tipo de narrador do texto de Guimarães
Rosa e explique, com uma ou duas frases completas, como esse tipo de
narrador nos conduz a ver os personagens e a situação em que se
encontram.
b) Considerando a descrição que o narrador faz do
personagem, justifique, com uma frase completa, se a imagem do
personagem Doutor Mimoso pode ser depreendida como positiva ou
negativa.
19ª
QUESTÃO
Leia
o fragmento a seguir e responda ao que se pede.
"Mas
era primavera. Até o leão lambeu a testa glabra da leoa. Os dois
animais louros. A mulher desviou os olhos da jaula,
onde
só o cheiro quente lembrava a carnificina que ela viera buscar no
Jardim Zoológico. Depois o leão passeou enjubado
e
tranqüilo, e a leoa lentamente reconstituiu sobre as patas
estendidas a cabeça de uma esfinge. 'Mas isso é amor, é amor
de
novo', revoltou-se a mulher tentando encontrar-se com o próprio
ódio, mas era primavera e os dois leões se tinham
amado.
Com os punhos nos bolsos do casaco, olhou em torno de si, rodeada
pelas jaulas, enjaulada pelas jaulas fechadas.
Continuou
a andar. Os olhos estavam tão concentrados na procura que sua vista
às vezes escurecia num sono, então ela se
refazia
como na frescura de uma cova.
Mas
a girafa era uma virgem de tranças recém-cortadas. Com a tola
inocência do que é grande, leve e sem culpa. A
mulher
do casaco marrom desviou os olhos, doente, doente. Sem conseguir —
diante da aérea girafa pousada, diante
daquele
silencioso pássaro sem asas — sem conseguir encontrar dentro de si
o ponto pior de sua doença, o ponto de ódio,
ela
que fora ao Jardim Zoológico para adoecer."
LISPECTOR,
Clarice. O búfalo. In: Laços de família
Agora
responda:
a)
Qual é a história narrada no fragmento?
b)
Em relação à história, o que diferencia o texto de Clarice
Lispector das narrativas tradicionais?
20ª
QUESTÃO
O
que vem a ser o estilo intimista, típico da ficção de Clarice
Lispector?
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